Desafio de escrita #7
O desafio de escrita do Clube de Escritores de Belo Horizonte propõe um exercício criativo: três palavras são sorteadas e os participantes devem usá-las em um texto produzido dentro de um tempo.
O desafio de escrita do Clube de Escritores de Belo Horizonte propõe um exercício criativo: três palavras são sorteadas e os participantes devem usá-las em um texto produzido dentro de um tempo determinado. A seguir, os textos produzidos no encontro virtual realizado no dia 28 de junho de 2025.
— Amora, urucum, vinagre, café, chá mate, camomila ou coca cola?
— Moço, eu quero um vestido blush.
— Então, vamos tingi-lo pra não ficar branco puro. A soma do branco com a cor será o tom do vestido. Trabalhamos com amora, urucum, vinagre, café, chá mate, camomila e coca cola.
— Qual deles fica blush?
— Blush quem usa é o maquiador, no dia do casamento. Seu vestido precisa ser tingido antes.
— Meu Jesus Cristo, moço, eu combinei com a estilista a cor blush.
— Tá, mas qual cor a gente usa pra chegar nesse tom?
— Quem entende de cor de tecido é você!
— Pois então! Tô te dizendo que trabalhamos com os pigmentos amora, urucum, vinagre...
— Já entendi. Olha aqui como ele fica... dessa cor aqui.
— Mas o brilho do celular pode interferir na cor.
— Então, se eu diminuir o brilho você vai tingir meu vestido de casamemto de preto?
— Não, né. Trabalhamos só com amora, urucum, vinagre, café...
— Quer saber? Não quero vestido exclusivo nenhum. Pode pegar seus pigmentos e enfiar no rabo do pintor. Vou escolher um dos que já estão prontos, pra aluguel.
— Como quiser. Aqui está o catálogo.
— Obrigada.
— Quando escolher, por favor, coloque a informação de qual das variações de cor você quer. Trabalhamos com amora, urucum, vinagre, café, chá mate, camomila e coca cola.
Sobre a autora:
Bianca Pontes começou a escrever aos 10 anos e devora livros desde sempre. É pós-graduanda em Escrita Criativa e Carreira Literária pela Faculdade LabPub e ajuda outros escritores a escreverem e publicarem seus livros (@escrevacomabia no instagram.) Trabalha com prestação de serviços literários e editoriais para escritores. É idealizadora e fundadora do Clube de Escritores BH. Publica textos no instagram e em sua newsletter “não tava escrito”.
Participou da coletânea “Em cada canto: Cinco Contos de Natal” com o conto “Bisa”, que resgata momentos de infância vividos em Mantena/MG.
“Értom”, a história da mulher que prevê mortes, é o primeiro de muitos romances que pretende publicar.
Newsletter: Não tava escrito (mas agora tá)
Pintor curioso
Eu gostava dessa parede rosa, mas o rosa dela já estava tão gasto que precisamos retocar. Após muitas discussões internas comigo mesma , a cor nova foi escolhida, verde! Gostava de coisas coloridas.
Chamei o pintor, um conhecido que a Dona Carmem me indicou.
“Ele é bom e não costuma cobrar caro”.
Quando ele chegou, me assustei. Estava todo arrumado, cabelo cortado, não tinha cara de pintor.
Não que pintor tivesse que ter cara, mas sabe? Não é possível que ele iria deixar manchar aquela polo que parecia ter acabado de sair da loja, com a tinta verde.
Ele se apresentou, educadamente, eu lhe mostrei a parede a ser pintada e ele questionou:
Vai pintar só uma parede?
Eu fiz que sim, ele ainda curioso, pergunta: Porque ?
Porque é a que eu mais gosto. Disse.
Conformado, ele ignorou e continuou ajeitando suas coisas.
Ele parecia ser uma soma de um artista plástico com um advogado.
Fui pra cozinha terminar de preparar meu almoço, coloquei mais vinagre na salada e o ofereci.
Verde é uma bela cor, ele disse.
Rosa também era, respondi.
Ele terminou, comi minha salada, a parede ficou linda, pronta para ser desgastada por anos, para então ser pintada novamente.
Acho que é isso, comparamos nossas saladas e pintamos nossas paredes enquanto a vida corre. Como pintores agitados e curiosos por aí.
Sobre a autora:
Val Amaral, também conhecida como A Biruta De Vento.
Me considero poeta desde que descobri a poesia, me aventuro pelas escritas e mergulho em palavras. No horário comercial sou CLT, assistente administrativo, mas, nas horas vagas leio, escrevo e escrevo... Sou pisciana, logo, uma sonhadora nata. Espero que algum dia meus versos inspirem alguém e que algum dia eu possa viver dessa arte, assim como ela vive de mim. "Basta abrir a mente/biruta para que a vida/vento lhe mostre a direção. "
Instagram: @cartasdabiruta
O homem, já em idade avançada, percorria os becos estreitos da viela todas as noites, sempre no mesmo horário, os passos trôpegos, o corpo vacilante. "Mais um bêbado", murmuravam. "Mais um louco", diziam. Corria o boato de que ele havia trocado a própria casa por uma garrafa — a dona de um pequeno e robusto comércio de tecidos começava a contar o ocorrido quando foi interrompida pela colega, que mantinha uma loja do outro lado da rua:
— Ele vendeu a casa?
— Pois é, minha amiga... por uma garrafa.
Antes que continuasse, o próprio homem surgiu, cambaleando pela sombra, com uma garrafa nas mãos. A iluminação fraca não permitia ver o rótulo, e entender suas palavras era ainda mais difícil que tentar decifrar o que havia ali escrito.
— Soma... soma! Eu preciso da soma pra ganhar! Sem soma... não tem resultado. Mas... o que é soma? Eu... eu preciso... da soma...
A luz fraca escondia o conteúdo da garrafa, mas não as roupas manchadas de tinta — respingos em diversas cores, espalhados pelo tecido encardido. A dona da loja de tecidos deixou escapar um pensamento em voz alta:
— Um pintor? Ou só tropeçou num balde de tinta?
A outra, mais exaltada, repetiu:
— Um pintor?
A comerciante revirou os olhos e, impaciente, voltou para dentro da loja:
— Você só sabe repetir o que eu digo.
O homem seguiu seu caminho incerto até tropeçar nos próprios pés. A garrafa escapou de suas mãos e se espatifou no chão. O som do vidro estourando ecoou pelo beco, os cacos se espalharam. Quem estava por perto virou o rosto, curioso. De joelhos, em um gesto quase teatral, ele rasgou a blusa e, entre lágrimas, gritou:
— Meu vinagre!
Autora:
Gabriele Nascimento
Instagram: @biele_joy
Antropofagia
O quadro, da carne representação
Espelho da mente, pintura, alucinação
Na paleta, os fluidos que nele correm
O pincel, cerdas-facas que nele destroem
A profissão, pintor, apenas um nome
Tão arbitrário quão toda uma linguagem
A faísca da inspiração, tão rápida some
Como nas retinas se mantêm a imagem
Nessa janela, encontramos a perversa soma
Do açúcar, vinagre, sangue e café
Que implora-se aos visitantes: coma
Todas as partes daquilo que se é
Pois o artista sabe que seu corpo
Se torna objeto a ser consumido
Cada olho com seu próprio gosto
E ele se prostrando, infinito.
Sobre o autor:
Heitor de Castro Landim tem 25 anos, vem de Ipatinga, MG e está atualmente dedicando sua vida à escrita. Escritor de poemas, contos, zines e prosas, em breve pretende lançar um livro de terror/thriller, para finalmente completar pelo menos um das dezenas de livros que planeja escrever, e espera que você dê uma chance quando for publicado.
Instagram: @hclacid91
Mãe, por que o papai está bravo com o pintor? Não sei filha. Como você sabe disso? Está falando alto com ele pelo telefone. Está gritando. O coitado deve estar apavorado. Eu fico assustada. Você sabe como ele é quando fica bravo, filha: se altera muito, exagera no que diz e depois que passa fica todo amuado e arrependido. Sabe do que estou lembrando, mãe? Conta. Daquela vez que ele me pediu pra passar o vinagre pra temperar a salada. Não sei o que aconteceu! Você lembra disso, mãe? A garrafa caiu e a tampa explodiu não sei como. Espirrou vinagre pra todo lado inclusive nos olhos dele. Ele ficou muito bravo porque começou arder, arder, arder. Em lugar de levantar e ir lavar os olhos ficou na mesa esbravejando. Você lembra, mãe? Sim, filha. Lembro muito. Sabe mãe, eu fico triste de ver ele assim bravo. Soma braveza uma em cima da outra. As pessoas pensam que ele é mau. Ele é bom. Só é irritadinho. Por que será hein, mãe, que ele faz assim? Ninguém consegue entender. Um dia ouvi a vovó dizer que ele é um bom homem mas se esconde atrás da braveza. Será? Esconde de quem? Eu não sei como é isso… não entendo. Você entende, mãe? Silêncio. Depois que ele ficar calmo vou lá conversar. Vou tentar, de novo, dizer que isso não é legal. Vai sim, filha.
Sobre a autora:
Pri Varella é psicóloga clínica e escolar-educacional, aposentada pela Secretaria de Educação da prefeitura de São Bernardo do Campo/SP, onde vivi por 35 anos. Sou carioca de nascimento e mineiríssima por opção. Vivo em BH. Sou contadora/encenadora de histórias para crianças, em um projeto de voluntariado, através do grupo Doce Palavra. Tenho interesse especial por histórias de vida e memórias. Em 2024 publiquei um livro infantil - “Uma tia que era bruxa, uma casa que era barco, uma tartaruga que era diva” - que foi premiado em 3º lugar, por votação popular, na categoria “melhor livro infantil”, pelo 6º Prêmio Ecos da Literatura.
Casada há 46 anos com um mineiro do interiorzão das gerais e mãe de duas mulheres incríveis.
Instagram: @privarella
E a seleção de contos para a nossa coletânea está aberta! Confira o edital: